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segunda-feira, 16 de março de 2009

Por que a mídia enquadra os noticiários de TV?

* Simone Cabral

Para além de uma fonte de informações, a mídia é um espaço de mediação de disputas sobre a interpretação da realidade. Entendida como sistema, engloba televisão, imprensa escrita, rádio, mídias digitais e publicidade, em todas as suas modalidades e suportes. Ela provoca e transforma as relações sociais em outras formas de relações sociais.
Que noticiários reproduzidos pela mídia desafiam as verdades estabelecidas e denunciam as suas insuficiências? De certo, aqueles que não se enquadram nos conceitos, classificações e estereótipos construídos em função da imposição da imagem midiática, cuja construção não depende apenas do elemento visual, mas de ações e discursos, a exemplo dos noticiários sobre movimentos sociais. Basta o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) aparecer na TV, expondo suas foices e facas e ocupando latifúndios e prédios públicos, para, imediatamente, a opinião pública interpretar como um ato de violência.
Os elementos que compõem a imagem de descrença e incapacidade introjetada pelos grupos sociais e que se refletem em uma desvalorização das lutas e organizações sociais constituem-se em uma forma particular de enquadramento interpretativo da realidade. Trata-se, portanto, de marcos interpretativos, construídos socialmente, que permitem às pessoas darem sentido aos acontecimentos e situações sociais.
A mídia utiliza-se dos enquadramentos para determinar a produção de notícias e, com isso, tem provocado direcionamentos no entendimento das pessoas sobre determinados assuntos e acontecimentos. As várias formas de enquadramento resultam, ao mesmo tempo, em efeitos diversos de interpretação da realidade. Aliado ao grande desconhecimento e desinteresse sobre a realidade dos movimentos e dos setores sociais que eles representam, o efeito disso para a audiência é consolidação de um discurso pejorativo e negativo. Uma marcha organizada por setores da sociedade civil, por exemplo, tanto pode ser enquadrada pela mídia como liberdade de expressão, como pode ser enquadrada em termos de perturbação da ordem pública.
A mídia, ao deter o monopólio de difusão da informação, constrói representações da sociedade, a partir do predomínio de uma visão social de mundo e de convívio social. Por outro lado, a qualquer momento, surgem formas alternativas ou diretamente opostas na sociedade, com elementos significativos de contestação da ordem social vigente. Esse papel emancipador da mídia contribui para superar a tendência de tratar as suas mensagens como homogêneas, identificadas por um enquadramento único dominante.
Na prática, a abertura de espaços na mídia, em função do potencial transformador dos meios de comunicação de massa para os movimentos sociais tem sido um grande desafio, a exemplo dos debates sobre proteção, defesa e promoção de direitos humanos não serem consensuais no seio da sociedade. Não raro, há, de fato, conflitos instalados, discursos contraditórios e posições tendenciosas. Como não perceber essas posições conflituosas, por exemplo, entre latifundiários e trabalhadores rurais sobre o direito à terra?
Nesse caso, é preciso oferecer um leque de alternativas aos noticiários, com formatos mais abertos e plurais, para que os indivíduos possam questionar o enquadramento dominante. Não por acaso a mídia é uma das cinco áreas de atuação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, pois se configura como instrumento essencial e indispensável à construção de uma cultura em direitos humanos, cujos caminhos são guiados por disputas e conflitos inerentes ao espaço de realização democrática da comunicação.

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